sábado, 16 de julho de 2011

Tragédia do cotidiano

O AMANHÃ DAS TRAGÉDIAS
Rubens Lemos

Além de egoísta, a tragédia é uma herança exclusiva dos amores próximos. Na Grécia, o filósofo Aristóteles teorizou com precisão como se mirasse o mundo de hoje antes de eternizar a definição da desgraça.
Para ele, a tragédia é resultado de uma catarse de audiência e o ser humano, de forma consciente ou não, é atraído pelo sofrimento dramatizado.

A tragédia grega, que virou lugar comum de catástrofe seguida por inenarrável comoção, tem origem obscura e, por teoria, segundo livros que passei a vista por obrigação estudantil, tinha característica contraditória entre a seriedade e a dignidade. Definitivamente, catástrofe não combina com o estilo sóbrio das duas virtudes acima.
Longe de mim o esnobismo conceitual. A tragédia é uma cínica. Não penso em dimensioná-la pelo efeito episódico de cada dose do seu veneno.

A tragédia está em todo drama particular. Que explode, se estampa ou não no jornal, no portal, na televisão, nas redes sociais , provoca solidariedade e momentânea e depois some quando outro fato lamentável a substitui como uma carta tomando o lugar de outra num jogo mórbido.
Para quem fica viúvo, órfão ou saudoso de alguém querido, a tragédia é uma cutilada para sempre. É a mãe que não pode arrumar o quarto do filho que já morreu, como no verso do revés do parto de Chico Buarque de Holanda na canção Pedaço de Mim.

Esta é a tragédia maior que apavora a unanimidade dos pais. A inversão do valor natural da vida. Sepultar um filho, imagino, é ser enterrado de alma e continuar vagando, definhar e pedir para desaparecer de verdade.
Um companheiro do meu pai, que deixo no anonimato pelo absoluto respeito que ele merece. Primeiro, morreu sua mulher, vítima de câncer, e o corpo de atleta transformou-o num esquelético sem dieta programada.

Abandonou os amigos e, num tratado sem discussões, abriu mão da alegria e ela, penalizada, esqueceu dele. Em 2008, perdeu um filho, jovem, do inesperado, de problemas cardíacos. Sua tragédia acabou quando ele próprio foi posto dentro do túmulo, um ano e meses depois.
Tragédias pessoais e particulares são professoras. Nas minhas perdas, fiquei mais só. Por opção me tornei mais seletivo, menos exposto, mergulhei em reflexões, me vi mais próximo dos poucos, leais e verdadeiros amigos que não me abandonaram quando a parte formal da liturgia da morte foi encerrada. Mas a tragédia da falta dos que se foram está e estará comigo até quando vida eu tiver.

A tragédia é de quem fica. A angústia conseqüente da queda do pequeno avião da Noar não pertence aos 16 mortos carbonizados e brevemente esquecidos do noticiário. Ficará no coração e no inesperado dos que voltarão para casa para numa noite qualquer, relembrar o vinho tomado, a música preferida, o jantar planejado, o despertar numa manhã de sol.
A saudade é irmã do vazio, prima e confidente do desespero, parceira maligna do tormento, traiçoeira destruidora do sorriso, enchente avassaladora das estradas do sossego, semente venenosa do pranto, peste perniciosa da dor.

Faço o texto remoendo a entrevista, ainda sob forte impacto, de Diógenes Veras , marido da educadora Antônia Fernanda Jalles, uma das ocupantes do avião que explodiu próximo à praia de Boa Viagem em Recife(PE).
Diógenes tinha buscá-la no aeroporto de Parnamirim e recebeu o telefonema de um dos filhos, avisando-o do acidente. Na luta contra os redemoinhos do impossível, ligava atordoado ao celular da mulher. Encerrou dizendo que a vida cuidará de confortá-los. Sem conhecê-lo e em seu nome, minha solidariedade a todos.

E, cada vez mais, a revolta enxerta meu questionamento sobre a religião aplicada como analgésico nas tragédias, e amplifica minha devoção ao mais humano dos Apóstolos, Paulo, sábio ao contemplar o mar imenso como a sua dúvida e a exclamar: “Morte, afinal, qual é mesmo a
Do blog da Thaisa Galvão

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